domingo, 16 de novembro de 2014

Tuberosa: Flor, Aroma, História e Perfume



Serguey Borisov: Caro Pierre! Fico contente por ter disponibilizado seu tempo para continuar nossa entrevista sobre matérias-primas naturais. Vou sugerir um tema: Tuberosa! Me recordo que você estava criando um novo soliflor de Tuberosa—vi e cheirei na Esxence Milano. Vamos começar por aí. Quais são as principais características do aroma do absoluto de Tuberosa? Como é seu cheiro? Verde, floral, lactónico, narcótico e…? Existem outras flores com um cheiro semelhante?
 
Pierre Benard, photo by Sophie Thouvenin
Pierre Benard: Caro Sergey, Tuberosa! Fico contente por você se lembrar de minha criação. Sua projeção espectral se passeou pelos corredores da Esxence showcase no ano passado. Se a rosa é a rainha das flores na perfumaria e o jasmim a jóia do perfumista, a tuberosa é minha musa—um assunto que eu abordo depois da conferência dedicada aos jardins no Museu Internacional da Perfumaria, escritos, fotografias e conversas com agricultores em Grasse.
 A flor e sua fragrância são difíceis de domar. Seu cheiro é rico, precioso. Sua raridade tem seu preço.
 Seu aroma floral é poderoso, mesmo intenso para um nariz delicado—você tem de ser forte. Seu espectro olfativo é grande e caleidoscópico.
 
foto de sleepyneko
O cheiro do absoluto de tuberosa é como um buquê explosivo de flores brancas.
 Sua extrema complexidade dá a ilusão olfativa de diferentes flores e seus extratos.
 Com notas verdes e narcóticas, ela se aproxima do cheiro do narciso.
 Com suas notas leitosas, emergem de seu perfil flores exóticas como gardénia, frangipani e tiaré, cujas pétalas são misturadas com óleo de côco para fazer o tradicional Monoi, o cheiro de pele sob a luz do sol.
Estas notas exóticas combinam com especiarias frescas.
O absoluto de tuberosa contém ácidos gordos (palmítico, linoleico e linolénico), moléculas sem odor que constituem 20% do material. O ácido butírico dá ao cheiro uma nota gorda, realmente amanteigada. Sua silagem é doce, melada, como cera de abelhas ou absoluto de geneta, e sugere bolo de gengibre.
tuberosa pronta para o transporte, foto de mmmavocado

Serguey: Pode descrever os principais constituintes do absoluto de tuberosa  e a maneira mais simples de mimetizar a nota em perfume (eu acredito que o seu perfume seja bem mais complicado, por isso tornemos seu exemplo minimalista, com um número mínimo de componentes).
 
Pierre: Meu perfume soliflor é ligeiramente mais complexo, mas tem sua inspiração na arquitetura olfativa da flor. O headspace desta flor analisado pelo nariz ou por cromatografia liberta moléculas muito voláteis.
O famoso limoneno, que aparece em óleos essenciais de citrinos, é o principal constituinte do óleo essencial de laranja.
 Existe um odor tipicamente medicinal, farmacêutico até, facilmente identificável, como o eucalyptol (cineol) e especialmente o salicilato de metilo que faz o cheiro do óleo essencial de gualtéria, pois ele contém mais de 90% desta molécula.

O eugenol e seus derivados com odor metálico, tais como o eugenol de metilo e o iso eugenol de metilo, cujas emanações especiadas são como um buquê de lírios que poderiam encher toda uma salacom seu cheiro.
 O benzoato de metilo reitera a importância desta flor entre flores, uma molécula presente no óleo essencial de ylang-ylang.

foto de jayeshp912
As lactonas, como a delta nonalactona e a lactona de jasmim, enriquecem a paleta da tuberosa com notas cremosas de leite de côco. Nas notas de base, emergem o antranilato de metilo e o indole. As moléculas de pele são o elo entre a flor e o animal. Ao crepúsculo, elas se manifestam mais profundamene nas flores sem cor que chamam os insetos da noite. A fertilização desta senhora flor é noturna. É feita pela traça Sphinx, e algumas espécies de beija-flor, que aplica seu probóscide para chegar ao suco no fundo dos tubos florais.

Serguey: Regressemos à história. Qual é a história da Tuberosa? É verdade que a Tuberosa foi trazida para o Velho Mundo desde a América do Sul com batatas e tabaco? Qual é a região nativa da Tuberosa polianthes, e quais são as principais regiões que cultivam a Tuberosa atualmente?
 
Pierre: A Tuberosa é endêmica na América Central e no sul do México. A flor chegou à Índia via Filipinas. A partir desta migração, duas outras rotas foram traçadas para a Europa. 
Uma delas através de Espanha para o Languedoc nop sudoeste da França e a outra através da Pérsia, viajando pela Liguria até Provença. A Tuberose foi introduzida em 1632 na Provença por RP Théophile Minuti.
campo de tuberosas, foto de mmmavocado
Muito antes de o nome botânico Tuberosa polianthes, ela se chamava Hyacinthus indicus tuberosa radice em 1601, literalmente "jacinto da Índia." Hoje, literalmente significa "flor das cidaes." O termo "polianthes” vem do grego polis que significa "cidade" e anthos, "flor." O nome de seu gênero Tuberosa caracteriza a raiz carnuda e tuberosa. A Tuberosa é da família dos agaves, o gênero engloba um total de 13 espécies e cada uma delas é mais ou menos fragrante. Hoje em dia, a tuberosa é cultivada essencialmente em Marrocos, nas Comores, Índia e China onde é processada.
photo by mmmavocado

Serguey: Eu li que as moças solteiras estavam proibidas de chegar perto dos campos floridos de Tuberosa na Índia, pois isso poderia fazer surgir “pensamentos impuros.” Conhece outras lendas sobra a Tuberosa?
 
Pierre: A muito fragrante tuberosa tem entrado em muitas lendas e histórias que revelam sua natureza enfeitiçadora. A história mais famosa de que me lembro se passa durante o renascimento italiano, em que era proibido às moças solteiras caminhas pelos jardins onde a tuberosa exercia seu poder erótico e intoxicante, para que elas não sucumbissem ébrias aos homens enlouquecidos pelo erótico aroma. Se o absoluto de jasmim revela a alegria nos rostos das pessoas que o cheiram, era dito que uma mulher que exalasse o cheiro da tuberosa causava sensações próximas do orgasmo.
Longe do erotismo romântico, conheço outra história escrita pelo cartoonista belga Peyo (Pierre Culliford), no comic The Purple Smurfs. Para salvar seu povo da maldição da mosca chamada Bzz, o Papa Smurf mistura em seu laboratório um monte de preparações até encontrar o perfeito antídoto: pólen de tuberosa.

Serguey: Quando é que se começou a cultivar a tuberosa?
 
Pierre: Em 1530, um missionário francês importou do México os primeiros bolbos de tuberosa, e secretamente os cultivou no jardim de um mosteiro perto de Toulon. A Tuberosa foi desenvolvida depois em Languedoc, na Ligúria italiana e na Provença, ao longo da segunda metade do século XVII, para artesãos de luvas, mercadores e boticários.
photo by Gary Soup

Serguey: Em que outras áreas tem sido usada a planta e suas partes? Ela é útil apenas em perfumaria, ou tem outras utilizações, como na medicina, aromaterapia, rituais, cerimônias religiosas e agricultura?
 
Pierre: A flor de tuberosa é tóxica e imprópria para consumo como o lírio, o lírio do vale ou o narciso. Duas variedades de Polianthes tuberosa são usadas. A “Tuberosa Usual” é usada na perfumaria e tem melhores caraterísticas organoléticas.
 Outra variedade da flor, chamada “tuberosa pérola” é usada em decorações florais. Na América Latina, a tuberosa pérola é parte importante de buquês de noiva e é depositada na entrada da casa da noiva. É cultivada em jardins interiores e pátios por causa de sua fragrância.

Algumas histórias dizem que os Aztecas cultivaram a tuberosa pelo seu chocolate, a bebida dos deuses—uma afrodisíaca mistura de grãos de cacau, vagem de baunilha e chili. Hoje, os profissionais dos aromas a usam com parcimônia para revelar notas frutadas como o aroma de morango.
 Na Índia, as mulheres fazem grinaldas e colares desta flor chamados Maalai como oferendas nos templos. O concreto de Tuberosa faz parte da composição de muitas misturas de incenso e cosméticos.

Serguey: Quais são as diferentes tecnologias de produção do absoluto de tuberosa?
 
Pierre: Há uns tempos a prática mais usada era a técnica de enfleurage a frio, que é capaz de extraír o óleo fragrante das mais delicadas flores que não toleram calor, tais como o jasmim, o junquilho e nossa preciosa tuberosa. No processo, as flores de tuberosa eram mantidas numa mistura de gorduras animais por 72 horas (comparadas com as 48 horas para o jasmim, cujas flores são mais tenras e morrem muito depressa). Esta técnica tradicional era morosa e entediante.
Hoje em dia, os métodos de extração evoluíram preservando o frágil perfil olfativo da planta. O concreto é obtido por extração de hexane a partir de flores frescas acabadas de colher. A partir deste concreto é extraído o absoluto com etanol ou processado por extração supercrítica de CO2.

Serguey: Ainda alguém faz enfleurage de tuberosa—na França, índia ou América?

Pierre: Que eu saiba, existe um produtor independente em Grasse que ainda pratica a enfleurage, mas confidencialmente e de forma experimental. Esta técnica era específica da cidade. Não sei se já foi exportada para outros países.

Serguey: Quais são as propriedades naturais da flor e de seu absoluto?
 
Pierre: As propriedades naturais da flor e de seu absoluto são anti-espasmódicas e anti-inflamatórias. A agradável fragrância e os vários químicos têm efeitos relaxantes no cérebro, nervos e músculos. A tuberosa acalma a alma e alivia o estresse, a tensão, ansiedade, depressão, fúria, etc. A flor é favorável ao desenvolvimento da intuição e à resolução de problemas.

Serguey: Pode nos contar a história da Tuberosa na perfumaria? Quando começou seu uso na perfumaria, em especial na perfumaria francesa?
 
Pierre: O absoluto de Tuberosa e os componentes sintéticos da tuberosa têm sido usados no passado em altas fragrâncias. L’Oeillet du Roys de Houbigant, um perfume de cravo do início do século XX, continha uma grande percentagem desta matéria-prima. Entre outras fragrâncias antigas contendo tuberosa estão Tabu de Dana e Je Reviens de Worth, ambas criadas em 1932.

Serguey: Quais são os melhores exemplos de perfumes de Tuberosa, em sua opinião? Toda a gente sabe do Fracas de Robert Piguet, mas houve outras excelentes Tuberosas no passado?
 
PierreAdquiri como código de memória, gravado em minhas memórias olfativas,Carnal Flower de Editions de Parfums Frederic Malle. Sua compositora, Dominique ROPION, cujo estilo de composição é muito rico, combinou eucalipto, muitas vezes usado na perfumaria técnica, numa overdose de absoluto de tuberosa.
 Serge Lutens eChristopher Sheldrake acentuam o salicilato de metilo em Tubereuse Criminelle.Fracas de Robert Piguet continua sendo a referência na memória coletiva da perfumaria. Este arquétipo criado por Germaine Cellier conseguir jogar com seu marketing para nos fazer esquecer o primeiro soliflor com o nome desta flor: Tubereuse de Le Galion, que foi composto em 1939 por Paul Vacher tendo assinado mais tarde Miss Dior. Este perfumista exacerbou as facetas de cânfora e mentol do extrato de tuberosa com uma frescura verde de eucalipto e jacinto. Nada vem do nada, o que existe nem sempre existiu, tudo é transformado. Não existem cheiros bons ou ruins ... existe odor. O escatológico civet, um gato selvagem, pode revelar jasmim. Tudo é uma questão de dosagem... tudo é uma questão de harmonia.

Serguey: Pode nos dar uma pequena fórmula para um perfume de Tuberosa para fazer em casa?
 
Pierre: Existe uma pequena fórmula que se pode encontrar em Flower Oils and Floral Compounds in Perfumery de Pajaujis Anonis—Perfumer & Flavorist Allured Publishing.
 Se chama Tuberosa # 2, a fórmula tem um total de 528 unidades [de medida]. Eu prefiro fórmulas que levam a um denominador comum, como 1000 unidades, mas esta não é uma fórmula minha.
300 Aurantiol
80 Álcool Benilo
35 Salicilato de benzilo
25 Álcool Fenil Etílico
25 Linalol
15 Álcool Cinâmico
15 Salicilato de metilo
10 Acetato de benzilo
10 Aldeído Alfa Amil Cinâmico
8 Iso Eugenol
2 Vanillina
2 Aldeído C12 MNA
1 Óleo de laranja doce sem terpenos 10%

Serguey: Caro Pierre, obrigado pelo seu tempo e pelos conhecimentos que partilhou com os leitores do Fragrantica!

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