domingo, 29 de junho de 2014

Oh de Eau! A nova moda das Fragrâncias Eau



Se alguma coisa foi consolidada graças às recentes novas enbalagens e ao relançamento de três composições clássicas "eaux" da marca francesa Annick Goutal (Les Colognes Neroli,Vetiver e Hadrien) é o fato de estarmos testemunhando um interesse renovado na ideia de uma luxuosa mas vanguardista "quebra" olfativa na histeria de composições densas, pesadas, doces e complicadas que bombardeiam a perfumaria de nicho desde pelo menos 2005.
Basta procurar na secção Novas Fragrâncias da enciclopédia do Fragrântica para descobrir centenas de novos lançamentos nas últimas temporadas que apresentam a categoria "eau," palavra que denota leveza, limpidez, transparência e joie de vivre.
Historicamente que vem à mente quando ouvimos falar de uma fragrância "eau" é a clássica Eau de Cologne - (literalmente "Água de Colónia [a cidade na Alemanha]), seja na Kölnisch Wasser ou as versões de Jean Marie Farina versions. A Eau de Cologne é talvez a "receita" de fragrância que mais tem sobrevivido, uma mistura de essências cítricas com lavenda e ervas e uma base de notas muito arejada com alíscares leves e madeira para ter fixação e tenacidade; esta fórmula vem repleta com as suas propriedades estimulantes, energizantese até aromaterapêuticas. De fato, as pessoas costumavam embeber um cubo de açúcar com Água de Colónia e ingeri-lo como um profilático. Napoleão aparentemente consumia isto em grandes quantidades, de acordo com as suas encomendas! Mas mesmo que os sintéticos modernos tenham tornado esta prática obsoleta, o aroma tem perdurado muito pelos campos da moda. A 4711 Eau de Cologne deve ter sido despejada aos litros em algumas gerações de gregosqua amavam as suas notas picantes e refrescantes.
Quando eu era criança, a minha mãe, como muitos homens e mulheres na minha cultura, andavam sempre com um frasco de 4711 na bolsa, fosse qual fosse a sua escolha de perfume, para refrescar as mãos ou os lenços durante o dia como um rápido e eficaz recurso e mesmo para uma limpeza rápida na ausência de água e sabonete, matando assim dois coelhos numa paulada: eliminando algumas bactérias resultantes de um contacto casual com a sujidade e tornando-me uma amante de fragrâncias desde então!
Algumas conhecidas fragrâncias criadas nos tempos modernos seguiram esse caminho batido variando e realizando pequenas recalibrações no original: a Guerlain tem uma pleiade de "colognes" nos seus arquivos, desde Fleurs de Cédrat até à Eau de Cologne Impériale, preferida pela Imperatriz Eugénia.Eau de Rochas, sempre presente no verão quente do Sul da Europa, infunde todo o ambiente cristalino dos hesperídeos com laivos de patchouli que dão uma sensação escurecida de sensação, chypre.
A crepitante Eau Dynamisante de Clarins, bastião da famosa marca francesa, já foi chamada de "Prozac para a mente e um elástico para a pele descaída" pela escritora Susan Irvine.
A Biotherm seguiu o mesmo caminho com a Eau Vitaminée nos anos 90 e continua com várias edições limitadas até hoje. Acqua di Parma Colonia é uma marca clássica de estilo natural, imortalizada no remake de "Alfie," protagonizado por Jude Law.
Ô de Lancôme foi o cheiro jovem de limão e ervas da revolução dos estudantes que se deu após Maio de 1968; há dois verões, a Lancôme re-lançou no mercado este clássico com a introdução de dois flankers, Ô d'Azur e Ô d'Orangerie.
Eau d'Hadrien de Annick Goutal, inspirada pelo famoso imperador Romano e as suas memórias, foi uma lufada de ar fresco quando foi introduzida em 1981, uma era enterrada em orientais potentes e especiados à moda de YSL OpiumChloe L'Eau é picante e fresca, como limonada gelada, ao contrário da sensação de sabonete e detergente de outras fragrâncias contemporâneas de Chloe; é reminiscente de citrinos picantes que dominaram os verões da minha infância. Estes paradigmas perfeitamente unisexo só servem para reforçar o sucesso duradouro desta simples mas genial ideia.
As marcas chiques e burguesas sempre acreditaram no conceito "eau", seja graças à sua herança (a Eau d'Orange Verte de Hermès directamente transposta da Cologne Orange Verte tem sido um constante best-seller e símbolo da marca durante anos) ou às suas forças criativas (o perfumista da casa Hermès Jean-Claude Ellena acredita piamente na natureza indulgente de um splash de "eau" e possui a imaginação para dar novos e excitantes toques a este conceito intemporal).
Eau de Gentiane Blanche é uma moderna Água de Colónia que em vez de essências hesperídias baseia-se no efeito refrescante da angélica com almíscares brancos. A Eau de Pamplemousse Rose toma uma nuance mais floral com uma tangerina muito moderna nas notas de topo.
Ellena propõe duas outras novas ideias para o verão de 2013 e seguintes: uma com âmbar, outra verde floral;Eau de Mandarine Ambrée e Eau de Narcisse Bleu. O conceito não é uma dieta olfativa que serve para limpar o palato, como com Lutens, mas sim uma opção estética purista. Aqui a "eau" mantém-se junto às suas origens, um acto de bem-estar físico e mental, colocada depois do banho, massajada na pele num dia quente, para refrescar e restabelecer, feita para ser partilhado pelos dois sexos, um frasco gigante no quarto de banho ou no frigorífico, à espera de ser agarrado, e que introduz as crianças às alegrias de um ambiente ligeiramente perfumado.
Mas também se trata de um campo de inovação: quantas coisas novas se pode fazer com uma "eau?" Jean-Claude Ellena já teve as suas ideias engenhosas desde que Frédéric Malle lhe pediu para fazer uma fragrância para a sua linha Editions des Parfums.
Eau d'Hiver foi a interpretação de Ellena da habitualmente refrescante "eau", desta vez numa quente água de colónia, em homenagem a Après l'Ondée e às notas de mimosa e íris, criando a imagem holográfica de uma núvem fofa, da cor de um pêssego numa tarde ociosa de verão.

Diptyque
 é outra marca crente na ideia indulgente e aromaterapêutica da "Eau", com a sua original L'Eau—que está mais próxima de uma pomada do que de um cítrico fresco—e o seu incenso especiado L'Eau Trois, mas também com as sucessoras Eaux lançadas há alguns anos (Eau de l'EauEau de Tarocco e L'eau des Hesperides), assim como em "Eau de 34." Nesta última, o termo "eau" aparentemente destila a pura essência da marca!
 
A moda das águas não veio do nada em alguns mercados. A Hermès e a Diptyque são amores perenes nos países do Mediterrâneo e onde quer que o clima seja similar. As Eaux nunca desapareceram nesta. “Uma fragrância típica da Primavera cheira quase sempre a notas frescas que pertencem ao tipo Cítrico Verde," diz o psicólogo de fragrâncias Dr. Joachim Mensing. "A cota de mercado nos EUA é cerca de 15%. Mas nos países latinos como Itália, Espanha e Brasil, eles têm cerca de 18-25% de cota de mercado. As fragrâncias cítricas e verdes chegam a uma personalidade mais extrovertida que se quer sentir mais dinâmica e energética. Eles odeiam a ideia da rotina laboral e não querem ser aborrecidos. Emitem um sinal com estas notas cítricas-verdes-aquáticas refrescantes e estimulantes como Ô de LancômeEscale à Portofino (Dior), Energizing Fragrance (Shiseido) e Concentré d’Orange verte (Hermès)".

Algumas marcas contemporâneas trazem uma declinação da "Eau" para inferir uma interpretação mais leve de uma outra ideia: Prada Candy L'Eau é simplesmente uma sobremesa olfativa caramelizada menos densa, Miss Dior L'Eau é um toque floral aplicado ao doce e moderno chypre Miss Dior (não o original de 1947) que, de acordo com o perfumista F. Demachy "tem orgulho da sua simplicidade." Eau de Cartier tornou-se num nome reconhecido, e a sua nova versão Goutte de Rose não resgata necessariamente a ideia da "água de colónia"; ao invés se baseia na rosa, como o seu nome sugere, outra grande tendência de 2013. Mademoiselle Ricci L'Eau é uma versão pastel do original para meninas românticas e brincalhonas, e L'Eau Jolie da marca Lolita Lempicka é uma criação similar ao original gourmet Lolita. Outros designers de hoje, ainda escolhem esta conotação para denotar um simples "marinho," como nos anos 1990, tal como Armani, com Acqua di Gio for men e para mulheres com o seu recente Aqua di Gioia. As marcas de nicho não se envergonham de infiltrar o seu portfolio com um espécime marinho, aquoso ou uma "eau fraiche." Eau de Rem é muito respeitado apesar de tudo.

Talvez uma das maiores razões pelas quais este interesse renovado pelas "eaux" se manifeste seja a emergência de um grande mercado que dominará os gostos e os caminhos da moda dentro de muito pouco tempo, escrevam o que eu digo: o Brasil.
Sem o fardo das preferências tradicionais que o Médio Oriente tem e livres para desfrutarem de um evidente rasto de fragrância (que, contudo, se mantém leve e não-sufocante no calor do verão) ao contrário dos Chineses e Japoneses, os Brasileiros têm todas as cartas na mão.
Com o seu caráter exuberante, a sua alegria de viver e o seu clima quente e lânguido, eles são o cliente natural para este género olfativo refrescante mas não simplista. E eu não os posso julgar por isso.

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