por: John Biebel
Uma peregrinação à loja Serge Lutens no Palais-Royal em Paris é considerada por muitos como sendo um momento decisivo na experiência olfativa de alguém. Eu tenho um grande respeito e interesse nas criações de Serge Lutens, mas não sabia o quão apropriada a palavra "peregrinação" seria para descrever esta visita.
A casa dos aromas Serge Lutens está instalada no fundo das Galleries of the Palais-Royal, a seguir à Comédie Française, e depois de numerosas arcadas e corredores que fazem eco. Demora um certo tempo até chegar ao número 142 Galerie de Valois. Eu tive a sorte de ser acompanhado por uma amiga que sabia muito sobre a história parisiense. "O Palais-Royal é onde os mercadores da corte do rei residiam e negociavam," explicou ela. Ela continuou, explicando que a imensa Galerie ainda alberga requintados apartamentos, escritórios de burocratas e belas boutiques. Mas há algo quase sinistro nesta estrutura massiva ao estilo fortaleza. Alguns dos apartamentos recebem muito pouca luz devido à sua localização e design protector. à medida que eu ia penetrando mais fundo no labirinto, ia-me sentindo quase claustrofóbico com a expetativa à medida que a luz do sol lentamente desaparecia no céu.
O Salons du Palais-Royal Shiseido aparece à nossa frente tão discretamente que quase lhe passamos ao lado. As montras escuras, rebordos pretos e as luzes do interior azuis e roxas insinuam-se misterioramente. Num mundo que normalmente exibe os seus bens na mais clara das luzes, o filho arquitectónico de Serge Lutens é uma gloriosa catacumba de proporções quase históricas. Ao entrar no vestíbulo, apercebemo-nos de que estamos entrando num templo.
A boutique Lutens é inquestionavelmente uma extensão da aura que Serge Lutens criou nos seus perfumes. Eles estão alojados em mesas de mármore, dentro dos seus frascos, com tiras de papel cuidadosamente colocadas pelo staff, previamente molhadas e à espera de serem cheiradas. É quase esmagador enfrentar toda a coleção Serge Lutens num só espaço. Para muitos de nós nos EUA, as fragrâncias Lutens não as mais fáceis de encontrar, e acarinhamos estes momentos em que podemos experimentá-las livremente.
A boutique é um objecto de obscura beleza. Linhas riscadas de preto e cinza atravessam o chão e as paredes. Uma grande escadaria circular pintada à mão domina a sala—mais como um conjunto de vértebras inspiradas em Gaudí do que simplesmente uma escadaria. As vitrines são raras, escuras e desenhadas para manter toda a atenção nos perfumes. Existem luzes pequenas e suaves encastradas no tecto, apliques azuis e roxos que brilham com uma seriedade religiosa a partir dos cantos e por detrás do mármore. Lá fora, as vitrines escuras estão arranjadas com as decorações mais elegantemente surreais de olhos de manequim presos dentro de esferad de jornais internacionais. E mesmo assim, à medida que os nossos olhos se ajustam a esta luz ténue e a todas as superfícies de vidro, começamos a cheirar os e encontramo-nos completamente imersos no mar profundo dos perfumes do Senhor Lutens.
Borneo 1834, Gris Clair, Nuit de Cellophane, Boxeuses, Chergui—as variações são infinitas. Dei comigo sendo transportado para diferentes mundos e para todas as direcções possíveis à medida que passava de um perfume a outro. As pessoas passavam atrás de mim em silêncio, e reparei que todos nós nos movíamos como se estivéssemos numa catedral. O silêncio era dominante. É uma das formas mais invulgares de cheirar perfumes que eu alguma vez encontrei, e no entanto era como um processo de limpeza, quase como num retiro de meditação.
Ficamos convencidos do enorme interesse de Serge Lutens pelas artes, cinema, fotografia e arquitectura neste espaço. Existem tantas dimensões para a sua inspiração; todas elas evidentes nos Salons do Palais-Royal. O perfume é o foco, mas cada detalhe, desde as montras inspiradas no teatro absurdo aos livros de fotografia, fala de arte. O que realmente surpreende, no entanto, é a falta de pretensão. Sentimos que estamos a experienciar a vazão artística pessoal de uma grande mente criativa, não um egocêntrico.
Em poucos minutos soube que teria de comprar algo nesta incrível loja antes de me ir embora, mas escolher apenas uma coisa iria ser extremamente difícil. Eu tinha alguns favoritos já conhecidos (Jeux de Peau, Chypre Rouge), alguns dos quais só então tinha aprendido a amar (Gris Clair), e alguns que pareciam ter o meu nome gravado. Foi desta última categoria que escolhi a minha aquisição: Arabie. É uma coleção dourada de frutos e especiarias que encaixam na minha pele como um manto. E é claro, manto é a palavra correta para tal experiência espiritual de perfume. Quando saí do Palais, o céu tinha escurecido, combinando com o mármore dos balcões lá dentro, por isso senti que estava caminhando numa vasta continuação interminável de elixires.
Foto de John Biebel
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