segunda-feira, 16 de junho de 2014

Gálbano: Amargo, Verde, Acre



O que é que as aberturas tonificantes e crepitantes de fragrâncias clássicas como  
Chanel No.19, vintage Vent Vert de Balmain, Piguet Bandit eau de parfum e Cristalle de Chanel têm em comum? Gálbano, uma matéria tem uma personalidade tão intensa que, como um vilão inesquecível de um filme, acaba por projetar a sua sombra de tal forma que pode facilmente obscurecer e dominar tudo o resto. Se a Bruxa Malvada do Oeste no Feiticeiro de Oz tivesse um perfume, ele poderia ser este cheiro crú, verde e vegetal que combina com a sua tez esverdeada!por: Elena Vosnaki
Ao contrário da bruxa, o gálbano não é muito conhecido entre os amantes de perfumes. O que é? O que não é? O que é que ele faz e como? O equívoco mais comum acerca do gálbano na composição de perfumes deriva do fato de ele ser rotineiramente mencionado como nota de topo; de fato, o gálbano é uma resina pegajosa originária de uma planta, tal como o ládano, e faz parte dos ingredientes mais tenazes numa fórmula no coração e na base. Mas é o seu intenso amargor com tonalidades verdes, como uma elixir conífera super-concentrado no laboratório de um alquimista louco, que se sobrepõe, desde o fundo ao topo e que imediatamente pica no nariz com uma capacidade de limpeza que apenas a amónia consegue suplantar.
O choque é esperado. Pegue em alguém não familiarizado com perfumes e deixe que cheire o aroma inicial de Chanel No.19; o mais provável é que essa pessoa nem se aguente até ao final da fragrância, tal é a sensação desagradável perante o estalo acre e intenso, para o nariz pouco treinado. Não é coincidência que a planta da qual ele deriva deva a sua etimologia ao Latim ferule que se refere a uma vara de professor. É um tapa na cara e concretiza aquela qualidade fresca, e dura aos perfumes em que participa. No entanto, também é valoriado pelas suas qualidades fixativas: como muitas das moléculas mais pesadas com menor volatilidade, ajuda a segurar os ingredientes mais efémeros e à medida que se expande numa sala conseguimos sentir o ar se tornar mais doce e confortável com nuances balsâmicas e amadeiradas.
A Chanel costumava usar uma variedade superior de gálbano iraniano, o que ajudou a formar a nota de topo de Cristalle e No.19. Na versão modernam nais orientada à juventude de No.19 Poudre a mordida do gálbano foi mitigada para não assustar tanto.
BOTÂNICA E HISTÓRIA
O óleo é derivado dos pés via destilação a vapor do resinóide que vem dos trincos e raízes da planta Ferula galbaniflua, que historicamente crescia na antiga Mesopotâmia e depois Pérsia. As cabeças em flor fazem lembrar angélica ou funcho, com os quais partilha da mesma força de caráter. A resina é naturalmente produzida quando a planta é ferida, num mecanismo de cura da natureza. Mesno dentro da mesma planta existem variações: o Levante e o Persa, este último sendo mais suave e e mais evocativo da terebintina.
Hoje em dia a planta ferula cresce na Turquia, Líbano, Afeganistão e Sul da Rússia, ao longo do Cabo da Boa Esperança e no Irão, claro, correspondendo à enorme procura por parte da indústria da perfumaria. Mas na antiguidade, a resina do gálbano estava entre as substâncias mais valorizadas em misturas de incenso, esse velho ritual de comunicação com os deuses. No saber hebraico o seu caráter acre simboliza o amergor da culpa do pecador perpétuo, que não se arrepende; e mesmo assim é incluído entre as especiarias doces, estoraque e onyha, no incenso do Senhor. Nas cerimónias egípcias, onde o gálbano era importado e pago muito caro, representava uma entidade benevolente. Era mencionado no "metopium," como comprovado pelo escritor grego e herbalista Dioscorides no seu De materia medica. Os gregos viam a matéria com um olhar prático, graças às suas propriedades medicinais; o pai da medicina, Hipócrates, recomenda-o para uma plêiade de maleitas, desde dores musculares a dificuldades respiratórias.
ATRIBUTOS AROMÁTICOS E COMPOSIÇÃO EM PERFUME
Cheirar a pasta espessa, granulada e amarelada assim como o óleo límpido produzido a partir dela é uma revelação: acre, estupendamente verde, um tornado de terebintina e um aroma terroso, turfoso, quase mastigável que se torna mais almiscarado, mais espessamente resinoso ao longo do tempo. É mercurial! Em diluição em álcool o "bouquê" abre e faz lembrar agulhas de pinheiro esmagadas ou ervilhas com tons de limão, muito fresco, vegetal e cortante, como estalar folhas frescas entre o polegar e o indicador. A resina persiste por oito horas ou mais.
Os constituintes químicos do gálbano são monoterpenos (α e β pinene), sabineno, limonene, undecatriene e pirazinas. O óleo puro é, contudo, frequentemente adulterado com óleo de pinheiro que pode ser a razão pela qual alguns lotes e importações cheirem mais a agulhas de pinheiro verdes e esmagadas do que outros.
O fato de o gálbano ser tão poderoso traduz-se em duas significativas considerações para os perfumistas: 1. Eles devem doseá-lo com muito cuidado; 2. Eles devem misturá-lo preferencialmente com ingredientes menos complexos e mais cândidos ou frescos (como hesperídios ou rosas) para conseguir um melhor resultado. Naturalmente, as essências com um cheiro "esverdeado", como o lírio do vale, o jacindo ou o narciso, fazem também bons "casamentos" com o gálbano.
FRAGRÂNCIAS COM GÁLBANO QUE CAPTAM OS SENTIDOS
Os melhores perfumistas, como Jacques Guerlain que o usou como como uma misteriosa nota de coração no oriental Vol de Nuit, podem emparelhar o gálbano com essências voluptuosas e inebriantes (como o ylang-ylang, jasmim, tuberosa, cardamomo ou incenso) ou em Sous le Vent onde lhe trouxe muita da sua frescura. A tensão na versão clássica parfum de Must de Cartier reside na justaposição da verdura do gálbano (coadjuvado pelo narciso, que partilha uma faceta verde oleosa) com o coração atalcado e quente de resinas (opoponax, benjoim, ládano e baunilha).
Em Vent Vert (que significa "vento verde") de Balmain, introduzido em 1945, o gálbano ganhou o papel principal e foi responsável pela moda das fragrâncias "verdes"; a perfumista Germaine Cellier, em vez de usá-lo para complementar outras notas, tornou-o em protagonista, dando-lhe o reinado e abrindo caminho para uma nova vaga de fragrâncias de cheiros mais "naturais". As fragrâncias "verdes", evocam o ar livre e a natureza muito mais do que a intimidade sofisticada e a densidade animal dos chypres. Apesar disso,o gálbano está também claramente presente em muitos chypres e fougeres (o clássico Ma Griffe de CarvenParfum de Peau, o clássico Lauder Private Collection, o extracto vintage de Miss Dior,Cabochard vintage, Bandit com o seu jeito brusco de cortar à faca, Givenchy III, o moderno Private Collection Jasmine White Moss de Lauder) e florais amadeirados (o acima mencionado No.19Fidji de Guy LarocheDeneuve de Catherine Deneuve,Patou 1000Le Temps d'une Fête de De Nicolai, Bas de Soie de Lutens, Silences by Jacomo), e até em florientais! (só para mencionar alguns, Boucheron FemmeComme des Garçons de Comme des Garçons, Givenchy YsatisMoschino de Moschino, e o vintage Magie Noire)
Outras fragrâncias que exaltam o seu caráter verde são Bill Blass NudeRalph Lauren SafariChloe Eau de Fleurs CapucineIssey Miyake A ScentFleur du Matin e Terre de Bois, ambos de Miller Harris, Infusion d'Iris de Prada, Roma per Uomo de Laura Biagotti, Borneo 1834 de Serge Lutens e Blue Jeans de Versace.
Ref: LAWRENCE, B.M; "Progress in Essential Oils" 'Perfumer and Flavorist' August/September 1978 vol 3, No 4 p 54 McANDREW, B.A; MICHALKIEWICZ, D.M; "Analysis of Galbanum Oils". Dev Food Sci. Amsterdam: Elsevier Scientific Publications 1988 v 18 pp 573 – 585

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