domingo, 29 de junho de 2014

O Maravilhoso Vetiver, Entrevista com Pierre Benard

Entrevistámos o perfumista Pierre Benard. Depois de ter conversado com ele sobre muitos factos interessantes sobre o jasmim, hoje Pierre nos preparou uma matéria sobre Vetiver.

Serguey Borisov: Meu caro Pierre! É um prazer voltar a falar consigo!
Pierre Benard: Caro Sergey, volto à tinta para renovar a nossa correspondância sobre perfumaria e matérias-primas. Desta vez, será o Vetiver, ou Vetyver, como já foi escrito.

Serguey Borisov: Primeiro as questões de biologia: o país/região de origem do Vetiver, a sua típica utilização, produção e tecnologia, família e tribo, propriedades naturais da planta e os seus óleos, etc.
Pierre Benard: Eu admiro esta planta, chamada “Luz do Sol,” o seu primeiro encontrado. O seu cheiro nasceu da terra.
O seu grupo botânico está associado com o das Cyperales ou Cyperaceae, a nagarmotha com o seu óleo essencial conhecido como cypriol. A sua família é a das Poaceae, comummente chamadas de "ervas."
O seu gênero foi atualizado para Chrysopogon. Será necessário mencionar o gênero Vetiveria, destacado pelos botânicos, incluindo Stapf, do gênero  Andropogon em que foi durante muito tempo associado com Cymbopogon (capim limão, gengibre, palmarosa e citronela de Java ou Ceilão… ). E agora, será renomeada a espécie Vetiveria zizanoides, a mais reconehcida na nossa perfumaria, para Chrysopogon vetiveria.
É claro que existem outras espécies. Doze estão registadas. Chrysopogon nigrita, em Angola, é um exemplo que dá um óleo essencial parecido com Nagarmotha. As suas áreas de cultivo estão sobretudo nas regiões tropicais e sub-tropicais, particularmente ao longo das margens dos rios e outras terras pantanosas— onde há mais chuvas torrenciais—em todo o mundo ou nos trópicos, espalhando-se pelos continentes da América Central e do Sul, África e Ásia.
O vetiver é cultivado na Índia, Sri Lanka, Malásia, Indonésia, Reunião, Quénia, Haiti, Brasil e El Salvador … É uma erva mágica para os agricultores. Contornando os campos com canteiros de vetiver, eles evitam a erosão do solo, que retém a sua humidade. Esta erva mitiga a poluição. As suas raízes desintoxicam o solo e a água pelo seu grande potencial de absorção e a tolerância a metais pesados. São muito ativas com um grande potencial de absorção de nitrogénio, fósforo e nitratos …
De um ponto de vista doméstico e tradicional, as raízes, quando humedecidas, servem como painéis que protegem do calor quando são colocados sobre janelas, um hábito na Ásia. Também é costume fazer pequenos molhos de raízes de vetiver, que são depositados junto dos tecidos de linho para afugentar os ácaros e perfumar as roupas.
(Como um ritual doméstico, existe na tradição Provençal. Isto se alargou ao costume francês das saquetas de lavanda colocadas nos armários. Também reminiscente do cheiro de linho lavado: a folha de patchouli. Antes de ter notoriedade olfativa e fixativa na perfumaria, era conhecido como repelente, reconhecido em remessas de caxemira nas Rotas da Seda regressando à Inglaterra colonial. Mas isto é uma outra história de uma nota amadeirada … )

Serguey Borisov: Pode contar-nos a história do Vetiver na perfumaria?
Pierre Benard: A sua história na perfumaria francesa começa em 1957, quando Robert Gonnon apresenta aos homens, traditionalmente perfumados com água de colónia nessa época, uma nova família de fragrâncias—a família dos amadeirados. É com Vetiver, de Carven, que o nome desta planta continua a aparecer até hoje inclusivamente nos frascos de perfumes antigos e de perfumes de nicho, até mesmo perfumes femininos como Vetiver Pour Elle de Guerlain.

Serguey Borisov: Quando teve início o seu uso na perfumaria?
Pierre Benard: Desde 1843, um perfume de vetiver chamado Kus Kus é produzido continuamente em New Orleans, Louisiana. Em 1803, este aroma foi adquirido dos amantes da perfumaria francesa pelos recentemente independentes Estados Unidos, onde a perfumaria era considerada elitista e não democrática. (Khus Khus é o nome do vetiver em algumas regiões da Índia.)
O nome “vetiver” é emprestado do nome Tamil vettiveru. Apareceu na linguagem francesa no princípio do século XIX. Esta data é importante porque em 1809, a primeira análise química do óleo de vetiver foi feita em França em extratos de raízes importadas da Iha de Reunião, depois chamadas Ilhas  Bourbon. A sua presença em todas as colónias francesas demonstra a sua migração.

Serguey Borisov: Quais eram as suas outras propriedades úteis sem ser em perfume?
Pierre Benard: Por estas propriedades e utilidades, medicinais e como repelente de insectos, o vetiver parece ter sido espalhado pelos viajantes durante muito tempo, pelos mercadores e emigrantes através da vasta região comercial que se estende desde a Índia pela Malásia à Indonésia, e talvez mais além … O óleo essencial contém terpenos naturais e sesquiterpenos que têm efeitos insecticidas.
Para o corpo (aromaterapia), o óleo essencial de vetiver tem propriedades sedativas, antioxidantes, antibacterianas, imunoestimulantes, propriedades tónicas arteriais e linfáticas. Os usos variados desta planta estão registados nos antigos tratados Ayurvedicos. O pó de ushira (o nome em Sânscrito das raízes de khus) é indicado com outros herbais.
Para a mente (aromacologia), o óleo essencial é um reconfortante estabilizador emocional, que nos permite a concentração, para nos sentirmos bem. Chama-se óleo da tranquilidade. A sua água perfumada é usada em rituais religiosos, e a planta é muitas vezes encontrada perto de templos e santuários no Sul e Sudeste asiático.

Serguey Borisov:é o preço do óleo de vetiver?
Pierre Benard: O preço de retalho do vetiver em 2008 era 70 euros para o Javanês, cuja produção é 1.5-2% e em 2010 atingiu os 110 euros. No mesmo ano, o vetiver Bourbon da Ilha Reunião era 200 euros, a produção é 0.6-1.2. Apesar de o Vetiver Bourbon ser recinhecido pela sua qualidade, é raro e marginal devido à falta de mão-de-obra, seca, redução de hectares e falta de organização. Foi destronado pelo vetiver haitiano que custa metade ou um terço do Bourbon.

Serguey Borisov: Foi trazido pelos Templários quando voltaram da Terra Santa? Ou por Alexandre O Grande da Índia?
Pierre Benard: Não posso confirmar os caminhos históricos, mas as raízes têm sido usadas pelo seu óleo fragrante e como medicina tradicional desde a antiguidade. A sua área de origem primordial, a área selvagem das suas sementes, é desde o vale do Ganges à Costa Coromandel, no sul da península indiana.

Serguey Borisov: Tanto quanto sei, o Vetiver é uma das matérias naturais mais especiais—até hoje ele não pode ser sintetizado. Isto é verdade?
Pierre Benard: As moleculas de Khusimol (8-11%), vetivens (5-9%), alfa e beta vetivons e ácido zizanóico arredondam o perfil do seu óleo essencial. Isto é a verdade. É difícil copiar a sua natureza. É isto que o torna único e belo. Podemos chegar perto, embora domesticá-lo seja difícil …

Serguey Borisov: Existem bases que cheiram como o óleo de Vetiver?
Pierre Benard: Axistem algumas bases que cheiram como o óleo de vetiver. O seu cheiro é rico e complexo. Por exemplo, a Firmenich desenvolveu uma base chamada “Vetyrisia.” Para chegar mais próximo do cheiro, outras notas naturais amadeiradas podem ser usadas para criar uma aproximação olfativa. Estas matérias são patchouli, cedros, amyris, etc …
O Cedryl methyl ketone, chamado “Vertofix,” é o material sintético mais comum tipicamente usado para uma nota de vetiver. Mas também há, por exemplo, o acetato de veticol. É claro, isso adicionará um toque de óleo essencial de toranja, rosa ou branca, que vai bem com o vetiver. Nootkatone ou methyl toranja pode ser usado para este efeito.

Serguey Borisov: Como descreveria o cheiro do óleo de Vetiver?
Pierre Benard: Antes de mais, o cheiro do óleo essencial de vetiver é característico e e este termo analítico se refere à sua nota amadeirada única e preciosa. O cheiro é rico como a densidade do óleo essencial. Durante a destilação, duas fases de óleos essenciais são recuperados. Separados por água, um flutua à superfície e o outro é mais pesado.
O cheiro do vetiver tem uma grande persistência, com notas quentes e profundas incrementadas nos mais raros resinóides. Torna-se ambarado e balsâmico. As notas verdes podem ser notadas e cheiradas no topo. De facto, os terpenos de vetiver evocam odores medicinais, de pinheiro verde e resinoso. No fundo, nootkatone, um composto natural orgânico encontrado num cipreste da Ilha Nootka (Callitropsis nootkatensis) dá um efeito de casca de toranja que é traduzido sulfurosamente em acetato de vetyveryl obtido por acetilação do óleo essencial.

Serguey Borisov: Qual é a diferença entre o cheiro do vetiver dependendo da geografia e fonte: Haiti, Reunião, Brasil, Índia, etc.?
Pierre Benard: Num artigo de revista, Jean-Claude Ellena descreveu a qualidade de Payan Bertrand da do projeto indonésio,“Terima Kasih”:
“Esta nova qualidade de óleo de vetiver é muito diferente do óleo normal no mercado. Podemos identificar notas amadeiradas densas e bem definidas, notas sulfurosas, de fósforo, e notas de raspa de toranja muito interessantes. Este vetiver perdeu os aspetos desagradáveis terrosos e de trufas da qualidade normal de Java qualities.”Foi feito um estudo aos parâmetros da destilação: pressões diferentes e maior tempo de destilação.
A nota fumada conhecida na variedade de Java é reduzida. Do melhor resultado, Payan Bertrand faz uma destilação fracionada. O coração deste óleo refinado é muitas vezes chamado de vetiverol por causa da presença significativa de álcool de vetiver. É uma nota doce e amadeirada responsável pela longevidade. Levemente sulfuroso, o efeito de casca de toranja rosa do nootkatone natural é também aumentado.
Há sempre um efeito local nas matérias-primas. Por exemplo, há mais ácidos zizanóicos na qualidade de Java e as relações entre vetivons são completamente diferentes na qualidade do Haiti. Outros parâmetros afetarão o cheiro. Por exemplo, se raízes jovens forem destiladas frescas, o óleo essencial pode ter notas verdes como as notas de topo de espargos, que serão apreciadas não pelos perfumistas mas pelos criadores de aromas. A produção dependerá grandemente da localização da colheita, a idade das raízes e o método de extração. O equipamento (alambiques de inox, por exemplo, no Haiti) afetarão o cheiro do óleo essencial obtido. Em alguns países, as extrações são ainda feitas com alambiques de cobre, que por vezes dão ao óleo essencial um efeito de cominho e cedro mas também uma bela cor turquesa.

Serguey Borisov: O óleo de Vetiver tem sido obtido através da mais simples destilação de água. Apareceram nos últimos anos avanços tecnológicos?
Pierre Benard: Tradicionalmente, o óleo essencial de vetiver é obtido por destilação a vapor das raízes. Elas são colhidas por arado ou manualmente. Elas são então limpas e lavadas para retirar a terra que lhes dá esse cheiro. Elas secam depois à sombra, depois são cortadas e picadas e depois são normalmente mergulhadas em água antes da destilação.
Em El Salvador, o processo é a hidrodifusão. Este processo difere da destilação a vapor convencional, porque o vapor é introduzido no topo da caldeira de destilação e a mistura de óleol/vapor sai pela base. A composição do óleo difere qualitativamente e quantitativamente daqela obtida através da destilação a vapor convencional.

Serguey Borisov: Tanto quanto me lembro, houve preparações antigas de Eau de Mousseline, que era basicamente eau de Vetiver. Quais são os mais populares perfumes de Vetiver do passado?
Pierre Benard: Do passado, os perfumes de Vetiver mais populares são os que citem anteriormente, Carven em 1957Guerlain em 1959Lanvin em 1964, Le Galion em 1969 ... Londe da Colónia, pessoalmente prefiro os perfumes do passado recente, como Encre Noire de Lalique ou Chanel Sycomore, da coleção Les Exclusifs, um sonho de Mademoiselle Chanel para uma fragrância amadeirada dos anos 30.
Aprecio o seguinte tipo de composições: construídas em torno da matéria-prima, enriquecidas com produtos naturais e refinadas com sintheticos. Esta é a minha visão de luxo e elegância. O vetiver continuará a ser um extraordinário material.
Agradeço a Sergey a sua paixão pelos perfumes, a Andrea pelo seu trabalho de extração em San Salvador. Obrigado a Krisheema, e minha estagiária indiana durante estas escritas olfativas. Obrigado Eva-Marie pelo seu trabalho essencial e a Dee pela sua meditação …

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