segunda-feira, 16 de junho de 2014

Misturando o Imundo com o Fragrante: O Mistério do Indol

Elena Vosnaki


"The Foul and the Fragrant" 
é um tratado do historiador francês Alain Corbin que aborda o saneamento das cidades europeias nas décadas que precedem a revolução industrial. Mas seu título contrastante faz sentido quando tentamos identificar a estranha e constrangedora atração por uma nota muito particular na perfumaria: o indol, presente tanto em flores como nas fezes humanas. Se ao chegar aqui seu apetite foi suprimido, não teha medo. A perfumaria é uma arte que joga com as nuances e as escalas da perceção.por: Elena Vosnaki
Quando os citrinos se misturam com a transpiração aparece uma espécie de quiralidade que cancela ambas a coisas, da mesma como uma imagem refletida de um espelho para outro dá uma qualidade distorcida originando uma nova apreensão do objeto. Quando o indol, naturalmente presente principalmente nas flores brancas, se revela em seu frasco de perfume, podemos lembrar como quando vaporizamos o mesmo perfume num banheiro acabado de usar, a sinergia da fragrância com o cheiro ambiente se mistura e se torna numa nova entidade, definitivamente mais floral do que fecal. Mesmo assim, o fascínio permanece: porque queremos usar uma fragrância que vagamente nos lembra do #2? A resposta é fácil: porque alguns dos melhores perfumes existentes são indólicos.
Indol é um componente aromático heterocíclico orgânico que contém um anel benzênico de seis carbonos fundido com um anel de pirrol com cinco membros de nitrogênio (não se preocupe se não entender muito de química, tudo fará sentido dentro de um segundo); portanto os componentes que contêm um "anel de indol" (sequância de moléculas) são assim chamados de "indoles".
O que significa isso? Isso tem um cheiro "estranho". Mas não necessariamente de fezes, ao contrário da linguagem comum do conhecimento dos perfumes perpetuada nos fórums! A química orgânica em seu todo não tem nada contra chamar nomes literalmente, em especial quando se trata de componentes malcheirosos: temos o cadaverine (para o cheiro de cadáver), putrescine (para o odor de lixo), skatol (do grego σκατό, que significa literalmente merda), ou ácido butírico (o cheiro de manteiga rançosa do grego βούτυρο/manteiga). A nomenclatura da química orgânica é bem direta, mas o indol parece ser uma exceção. De fato, o nome é derivado da história: deriva do tratamento de tinturas índigo.
O indol puro, aquele que realmente está presente nas fezes e também de forma mais reduzida nas flores brancas (tais como -predominantemente- jasmim, gardénia, tuberosa e flor de laranjeira em menor grau; mas também na madressilva e no lilás, que tecnicamente não são flores brancas) não cheira a fezes quando isolado.
Pelo contrário, se eu tivesse de dar uma referência comum eu o compararia ao cheiro rançoso mas curiosamente "fresco" (forte, penetrante, energizante em vez de calmente) das bolas de naftalina.
É verdade que a essência natural de jasmim, usada pela indústria de perfumes, é escura e narcótica, contendo cerca de 2.5% de puro indol. Isto muitas vezes dá um efeito "encorpado", luxuriante e íntimo ~há quem diga safado~ no componente final (partes femininas é uma das formas como é referenciado), tornando o jasmim mais "sexy" ou "animálico" como os entusiastas do perfume costumam descrever, apesar de tecnicamente o efeito safado, animal ser mais devido ao paracresol. Experiemente Serge Lutens' A la Nuit, e também Sarrasins (uma maneira diferente de ver o íntimo) ou Montale Jasmine Full, e saberá o que estou dizendo. Olene de Diptyque é outro que tem uma ambiência íntima dúbia, assim como a versão em extrait de Joy de Jean Patou, sublimado em tons rosados e almiscarados também, e o coração de Bal a Versailles (acompanhado do erótico civet). Tente também Bruno Acampora Jasmin.
No entanto,não é necessário exagerar no jasmim para sentir copiosas doses de indol: Pode também experimentar uma fragrância de cravos: Carthusia Fiori di Capri. Ele transforma uma caminhada no parque onde os donos de cães costumam passear seus cães numa experiência totalmente nova em termos de perceção!
Finalmente, muitas das fragrâncias modernas de flores brancas propositadamente evitam o questionável cheiro indólico. Isto acontece sem dúvida devido às sensibilidades modernas que preferem indivíduos totalmente desodorizados e artificialmente perfumados como o pico da pessoa civilizada. O respeito pelo vizinho, o amigo, o colega, a pessoa que faz compras a seu lado ou o espetador de cinema indica que se deve evitar qualquer coisa que possa ofender, mesmo se impercetivelmente. E quanto mais deseducadas forem as pessoas no que diz respeito a perfumes, mais elas reagem a cheiros questionáveis. Deve ter a ver com aprender a apreciar o imundo ou a aceitação de nossa própria mortalidade em paralelo com a decadência da vida das plantas e a evanescente, mortal natureza do próprio perfume. O que quer que seja, os perfumes indólicos são uma viagem fascinante para o amante dos perfumes e um verdadeiro ritual de passagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMENTE O QUE VOCÊ ACHOU DA NOSSA MATÉRIA!