por: Elena Vosnaki
Com não um mas dois filmes [1] estreando em 2014 contando a vida e obra do iconoclasta da moda Yves Saint Laurent, o interesse no designer que revolucionou a moda feminina e estabeleceu muitos dos códigos do vestuário moderno não se desvanecerá tão cedo apesar de o homem estar morto há cinco anos. Não que isso fosse possível, graças à inovação de sua obra que rivaliza com a de Chanel, mas as audiências modernas tantas vezes embrulhadas nas marcas do momento por vezes precisam de ser relembradas e uma adenda dramática cria uma impressão indelével. Não é este o objetico das biografias?
Não sendo um estranho dos truques do cinema, tendo famosamente vestido La Deneuve (em Belle de Jour, Liza/La cagna, La sirène du Mississipi e The Hunger entre outros filmes) assim como Capucine e Claudia Cardinale (em A Pantera Cor de Rosa) Yves também contribuiu com sua arte em filmes menos conhecidos, tais como Les collants noirs ou A Very Special Favor. Um dos jogos mais interessantes que os amantes do perfume jogam envolve corresponder filmes e papéis específicos com perfumes e a escolha é muita com Yves Saint Laurent; não só porque seus figurinos personificam um glamour prático que é eternamente jovem e atraente (basta testemunhar os conjuntos senhoris de Belle de Jour que, contudo, nunca contrariam o aspeto fresco de Catherine Deneuve) mas esta linha homônima, incluindo e salientando os lançamentos vintage, é tão variada que se poderia escolher qualquer coisa.
Este pied noir (termo usado para aqueles de antepasados europeus nascidos na Argélia francesa, sendo outro deles o famoso Albert Camus) indiretamente se tornou um ícone na luta contra o racismo e a segregação no campo da moda graças a suas inspirações étnicas e sábio uso de modelos não-brancos, no entanto passou sua vida inteira lutando contra seus próprios demônios de mania, depressão e dependência das drogas originados no sofrimento particularmente stressante durante seus dias de serviço militar, com raízes na sua homossexualidade e timidez inerente. Tratado com uma severa dose de sedativos e tratamento com eletrochoques, Yves nunca mais foi o mesmo. Felizmente por essa altura ele já tinha estabelecido seu nome, saindo da alçada de Christian Dior para se tornar em designer chefe da marca em 1958 (após a morte de Dior) e depois fundando sua própria casa quando Dior rescindiu seu contrato. Também felizmente, ele encontrou seu companheiro de vida e sócio nos negócios, a mente prática por detrás do artista, Pierre Bergé.
Alguns dos perfumes YSL têm nomes de código que vêm da moda, tais como Saharienne, batizado a partir da icônica túnica que Yves desenhou e com a qual Veruschka von Lehndorff foi fotografada: uma visão sexy, atada, de um item utilitário, o casaco rígido, cintado, com bolsos para o branco colonialista nos paises na linha do Sahara.
"Em 1970, com a aceitação dos fatos com calças, a silhueta da mulher ocidental acomodou a bifurcação pela primeira vez. Yves Saint Laurent, um designer extremamente sensível às tendências sociais, respondeu às insurgências dos estudantes em Maio de 1968 criando uma linha de ternos de calças para mulheres. Baseado no tema "Africano", ele criou uma roupa "Safari" para sua coleção primavera/verão 1968, transformando o vestuário funcional de caça em roupa citadina para a mulher". [2]
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Outro é Baby Doll, que faz lembrar, bom, baby dolls, as divertidas peças de lingerie que se veste para se despir. Yves não era especialmente conhecido pelo design de lingerie, como, por exemplo, Chantal Thomas, e a fragrância Baby Doll saiu num período conturbado para a marca, quando Yves estava com problemas de saúde, por isso tentar atrubuir-lhe sabedoria de moda é um exercício ingrato, no entanto é um dos mais conhecidos deste gênero, muito pelo uso da toranja rosa no início de uma poderosa tendência para perfumes florais frutados. Agora que o tsunami deste gênero nos inunda, a fragrância de YSL parece surpreendentemente bem-comportada em comparação com seus primos.
É uma pena que não haja nenhuma fragrância chamada Le Smoking, a mais famosa contribuição de Saint Laurent para a moda feminina, o smoking feminino, infinitamente imitado pelas marcas de pronto-a-vestir. Talvez a YSL parfums devesse apressar-se e registar pelo menos o nome, para evitar uma queda tão grave como a Guerlain usando o símbolo de Chanel, o Little Black Dress como seu. Independentemente disso, a sensação estruturada e fluida do "Smoking" pode ser experienciada usando o elegante perfume chypre que inaugurou a entrada de Saint Laurent na perfumaria em 1964: Y, atipicamente pronunciado …Yves. (Em francês, Y é "i grek").
Os fatos estruturados e de cores neutras em Belle de Jour poderiam ser acompanhados por Y sem qualquer esforço refletindo a atitude gelada da personagem de Severine mas também o suave verniz de sua posição burguesa como esposa de um médico. E apesar de Buñuel (ou o aderecista ou até a própria Deneuve) ter escolhido colocar um frasco gigante de Guerlain Mitsouko eau de cologne numa cena famosa quando Severine acidentalmente o parte no chão de mosaicos do banheiro antes de sair para passar a noite como prostituta, o caráter crepitante de Y seria certeiro; como dizia um comercial "uma nota que é leve, fresca, mas persistente." O corte dos vestidos e dos casacos, reflectindo a icônica coleção Mondrian que precedeu o filme em dois anos e a Pop Art que tnha apenas um ano a mais sobre a obra de Bunuel, apresentam uma estrutura compacta que não é diferente do clássico chypre com seu triunvirato cítrico-musgo de carvalho-cistus labdanum.
Rive Gauche, introduzido em 1971, se tornou no símbolo de toda uma geração. O nome refletia o endereço fiscal do atelier de Saint Laurent, mas a margem esquerda parisiense tem sido sempre o berço de todos os esforços intelectuais e artísticos na cidade das luzes e um poderoso símbolo do estilo de vida boémio dos anos 1970. Um gelo aldeídico que pica o nariz com impressões de floco de neve, Rive Gauche é tão espirituoso como metálico devido aos óxidos de rosa.
Na altura passava por jovem, faltando-lhe o calor ambarado que os franceses associam às sensibilidades burguesas e que sublinha outros florais aldeídicos antecessores como Madame Rochas, no entanto ele falava de "wit" e um certo clin d'oeil, um piscar de olho, também. Este era um perfume para uma mulher independente explorando sua sexualidade, seu poder, sua proeza tento no corpo como na mente. O packaging de Rive Gauche demonstrava um perfil ousado e bravo, como Betty Cartoux ou Loulou de la Falaise. Quando foi lançado em latas de metal azul elétrico e prata para a eau de toilette (o extrait de parfum vinha tipicamente em recipientes de cristal), era o primeiro de seu gênero e uma poderosa tradução ótica de tudo o que era vanguardista em Yves Saint Laurent.
Outras fragrâncias desse tempo, tais como YSL Eau Libre ou mais tarde Jazzseguiram um caminho mais calmo, mas os perfumes Saint Laurent se tornaram nomes quotidianos com dois sucessos comerciais (e artísticos) que fizeram manchetes: Opium (1977) para mulher e Kouros (1981) para homem. Fortes, distintos, dominantes e cheios de caráter, ou mesmo nauseantes se não se usar uma aplicação elegante, ambos os perfumes se tornaram ícones dos anos 1980 e selaram a década da carnalidade. Opium é um poderoso oriental que consegue o impossível: é ao mesmo tempo limpo e pesado, limpo com seu sussurro de um ferro quente sobre uma camisa branca (vindo dos aldeídos) e pesado com seu fundo especiado que suavemente arde com a ajuda das resinas de opoponax e benjoim. Graças à auto-indulgência e decadência seu perigoso nome sugere substâncias proibidas, Opium refletia bem a época de Yves no final de 1970, num desejo de paraísos artificiais, confinados nos exóticos riads de Marrakech.
Kouros por outro lado quis capturar um contraste clássico: a estátua de kourosimpressiona como uma forma estática (é a estátua de um homem jovem em posição vertical olhando em frente) que contudo dá a sensação de iminente movimento. De certa forma, este arquétipo, um século depois da ideia clássica do herói, que foi gloriosamente descrita no livro de C.M. Bowra The Greek Experience como "a busca de honra através da ação" [3], não era incongruente com os anos de sucessos da década de 80. O "ideal que determina um valor tão alto num só homem e sua noção daquilo que deve fazer" é perfeitamente encapsulada em Kouros de Yves Saint Laurent. A força demonstrada por este clássico aromático fougere masculino é individualista e Olímpica, se abrindo para abraçar a humanidade com seus aspetos carnais de sálvia e civeta que despoletam comentários tão memoráveis como "assalta minhas narinas como um murro de Mike Tyson. Se Satanás usasse perfume, ele seria Kouros" [4] ou "urina […] mas as mulheres gostam." [5]
A iconografia dos perfumes YSL dá uma volta: um Yves de óculos nu para o gloriosamente chique com muito musgo Pour Homme fragrance (1971) se torna num nu frontal masculino sem pudores para a bomba de oud que é a fragrância M7 (2002). Sob a direção do designer e marketeer Tom Ford, os perfumes YSL ganharam um esmalte de baixaria, tão estranho à marca (como atestado pela sugestiva ménage à trois para os comerciais europeis para a fragrância Paris durante seu reinado) assim como uma energia de novo vigor e inovação que tinha estado ausente durante algum tempo à medida que Yves lentamente se afastava de sua casa: Nu, uma fragrância de incenso apimentado com uma base complexa que estava à frente de seu tempo em 2001 (poderia muito bem passar por uma fragrância de nicho ainda hoje) e M7 são ambos pontos de referência.
Paris é menos icônico em termos de inovação, mas representa tudo o que Yves amava em sua cidade adotiva. O brilho, o romantismo, a beleza da arquitetura e dos jardins, seu frasco prismático cortado como um diamante facetado para captar a luz da Cidade das Luzes. Composto por Sophia Grojsman (que também criou Champagne, depois renomeado Yvresse quando os produtores de vinho da região de Champagne protestaram), Paris é a Laeticia Casta dos modelos de Yves: rosto fresco, mas não vazio, com algo de eternamente atraente, e mesmo assim em ebulição. O tom de violeta, poderoso e atalcado, apoia a rosa e faz emergir uma camada clara de feminilidade que condiz com a mulher Yves.
A linha é exaustiva, com muitas edições limitadas e flankers, nem sempre a par com os standards de excelência do designer desde que a L'Oreal se apoderou da licença, mas também com alguns perfumes pouco apreciados, como In Love Again (uma versão mais graciosa da idea de Baby Doll, criado por Jean-Claude Ellena), a nota de tomate em Vice Versa com sua divertida embalagem, Cinema, com sua mimosa suave e quente ou o mais recente La Nuit de l'Homme com seu caráter afávem amadeirado e especiado.
Agora que Yves Saint Laurent está de novo na linha da frente dos media graças à exposição cinemática, talvez seja a hora de nos encontrarmos de novo com as muitas criações fragrantes da marca.
[1] Betrand Bonnello Saint Laurent estrelando Gaspar Ulliel como o designer está correntemente em pós-produção. De Jalil Lespert, Yves Saint Laurent, estrelando Pierre Niney como Yves e explorando a relação com Pierre Berge já está em cartaz na Europa e será lançado nos EUA em Junho de 2014.
[2] fontee: The Metropolitan Museum of Art
[3] C.M.Bowra, The Greek Experience, 1957, Praeger New York
[4] Denise Hamilton, Damage Control, 2012, Scribner
[5] The Locals, filme, 2003
[3] C.M.Bowra, The Greek Experience, 1957, Praeger New York
[4] Denise Hamilton, Damage Control, 2012, Scribner
[5] The Locals, filme, 2003
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