segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Linha da Frente: Aquáticos Marinhos (2016)

por: Elena Vosnaki, Miguel Matos, John Biebel, Daniel Barros,Dr. Marlen Elliot Harrison

Lá no final dos anos 80, uma nova tendência emergiu em prateleiras de fragrâncias por toda a parte. Com os excessos da década anterior conduzindo a um novo paradigma em moda, a perfumaria não ficou indiferente. Ombreiras e perfumes épicos saíram para dar lugar a cortes simplificados e aromas aquáticos frescos. Sem dúvida, a química também estava subindo um degrau com o desenvolvimento e aplicação de materiais aromáticos em novas formas intrigantes.
A emergência dos aquáticos marinhos foi tão bem-sucedida que eles dominaram o cenário perfumístico por pelo menos uma década e se tornaram o marco da perfumaria masculina moderna. Antes disso, “perfumes frescos” eram criados com misturas de cítricos e talvez aldeídos cintilantes, mas indubitavelmente o moderno “marinho” saciou nossa sede por aromas aquosos, limpos ou mesmo tropicais. Os primeiros a disparar a tendência foram perfumes como The Body Shop Oceanus, Davidoff Cool Water, CK Eternity for Men, L'Eau d'Issey, CK Escape for Women e Armani Aqua di Gio, para nomear alguns.
Alguns podem considerar este gênero da perfumaria como um dos menos favoritos, enquanto outros, especialmente aqueles que vivem em climas mais quentes, adoram a variedade e o conforto dos aquáticos marinhos. Esta semana, nossos editores internacionais exploram alguns de seus favoritos e nós encorajamos você a compartilhar os seus próprios favoritos nos comentários abaixo.

REM DE REMINISCENCE

Escolher a fragrância “marinha” correta é um exercício de persistência tão paciente quanto a conjectura de Goldbach na matemática. Quem poderia incorporar o complicado aroma da paisagem marinha em algumas moléculas reconhecíveis de uma natureza sintetizada pelo homem quando o todo é feito de pequenas partículas que isoladamente são infinitamente complexas? Há a água salina, pura e rica em iodo, as algas, a madeira molhada, o odor quente e mineral da areia chamuscada, o aroma nitrílico de crustáceos mortos, sem falar no lixo flutuante e os restos de protetores solares ou o cheiro queimado de churrasco da noite anterior.
Rem by Reminiscence é algo como um clássico cult de 1996, com sua esquisita base vanílica, em que consegue incluir um pouco de todos os aromas citados acima, exaltando-os na forma de um aspecto salgado efêmero que tem a habilidade de transportar você para a praia de imediato com uma mera borrifada de seu bocal adornado na forma de um coral de cor aquática. É um tanto caro para o quanto dura e seu efeito distintamente não perfumoso, mas quem pode ser contra quando tantos novos entrantes produziram seu próprio perfume “para marcar presença em algum lugar quente para urbanistas em angústia” com o triplo do preço nos últimos anos?

IL PROFVMO: PIOGGIA SALATA

Nossa imaginação nos traz vívidas imagens da perfumaria marinha: tons de azul, verde e branco; a linha onde o céu encontra o mar; a vegetação exuberante próxima a um influxo tropical de água. Perfumes marinhos entram em uma área peculiar da nossa percepção porque vêm primordialmente de uma fonte que não tem odor (água), mas cuja presença geralmente dá origem a tantos outros cheiros. Onde quer que um cenário marinho apareça na natureza, os efeitos da água estão em abundância. Essas atividades associadas à água (banho de sol, madeira secando, plantas molhadas pela chuva, cabelos cobertos de sal, baías nebulosas, algas e conchas empurrados à praia pelas ondas) despertam imagens claras de verão, luz, água e calor na nossa mente. A italiana Il Profvmo criou um perfume que estuda a interação da água e seus efeitos chamado Pioggia Salata. É um perfume com um distinto tema de algas que remete a plantas aquáticas, água salina e névoa.
Pioggia Salata abre com uma vibração pálida mas vegetativa para o nariz; uma sensação azul-verde refrescante criada a partir de algas marinhas, folha de violeta e ozônio. Ela transita rapidamente para um centro de oleandro, hibisco, rosa pálida, ylang-ylang, e gentilmente finaliza com uma base de madeira de palma, lírio e eucalipto. O efeito resultante não é como um perfume tradicionalmente francês, mas segue um caminho mais claro e linear de partículas sussurrantes. É um perfume limpo e altamente viciante, abraçando as intrigantes notas artificiais que trazem à mente cheiros associados a água e ar, sustentando-os com flores e madeiras para preservar o perfume por muitas horas. Como muitas fragrâncias aquáticas, ela é por natureza leve e com nuances, mas mantém a personalidade dos materiais que a faz render, como o nome insinua, um casamento de água salina e chuva.
Perfumes marinhos costumam ser feitos com misturas exóticas de ingredientes, e Pioggia Salata não é exceção. Mas, de alguma forma, a combinação de madeira de palma, flores e algas marinhas conspiram para trazer ao usuário o lado oceânico. Você flutua por uma gota de chuva oceânica, e o seu perfume são as flores que descansam na primeira hora de uma manhã de verão.

GALIMARD COSAQUE

Eu não sou de me apegar a um perfume aquático ou marinho. Mas há excelentes perfumes que podem invocar um ou outro aspecto de cheiros que podemos sentir quando estamos próximos ao mar. Ou, em outros casos, eles criam um frescor abstrato que pode causar uma sensação próxima à que sentimos quando estamos inseridos em tal ambiente. A tão menosprezada casa Galimard tem uma fragrância que eu absolutamente adoro, e essa foi uma surpresa para mim já que o seu elemento principal é um acorde marinho.
Galimard Cosaque é uma perfeita demonstração do bom uso de moléculas sintéticas marinhas. Quando elas são associadas a extratos de jasmim de alta qualidade e misturadas a ervas aromáticas (talvez sálvia), podem se transformar em uma fragrância refrescante e energizante como esta. A composição como um todo não está muito longe de Kenzo Pour Homme, um perfume que foi minha assinatura 20 anos atrás. Para mim, ela entra na rotina de junho a agosto e depois da academia. Ela traz frescor e um efeito revigorante, durando por mais de 10 horas na minha pele com considerável presença. As madeiras na base parecem ter sido mergulhadas em água do mar e são doces mas com facetas de iodo. Não é realmente salina e nem metálica como os marinhos costumam ser. Por acaso eu a adoro.

KENZO POUR HOMME

"Azul é o cheiro mais quente"
Quando eu era adolescente, vivendo numa pequena cidade no Brasil, meus pais costumam levar meus irmãos e eu para São Paulo uma vez por mês para passar o final de semana. Uma das minhas rotinas favoritas era passar tempo no shopping center cheirando fragrâncias que eu jamais teria dinheiro para comprar naquela época. Era os anos 90 e as lojas estavam repletas de “frascos azuis”, as chamadas fragrâncias aquáticas. Embora seja difícil para mim confessar, era o meu gênero favorito naquele tempo. Eu então não tinha conhecimento suficiente para saber que elas eram classificadas como aquáticas (hoje eu poderia escrever uma tese sobre a diferença entre perfumes ozônicos e marinhos...), mas todas tinham em comum um tal aspecto leve, que remetia a férias. Elas me deixam confortável e otimista, e isso era mais que o suficiente para mim.
Uma dessas fragrâncias impregnou minha memória olfativa: Kenzo Kenzo pour Homme. Antes de mais nada, o frasco azul escuro fosco e sulcado no formato de um pedaço de bambu passava uma sensação especial ao segurá-lo nas minhas mãos. Eu então cheirava repetidamente o cheiro de melão/melancia na fita olfativa. Hmmmm. Tão alegre e relaxante. Mesmo não sabendo nada sobre notas naquela época, eu sabia que o perfume era incrivelmente confortável e energizante. Num certo ponto, decidi gastar toda minha mesada para comprar um frasco de 30ml. Hoje, é claro, meu nariz percebe Kenzo Pour Homme como uma fragrância rica, simples mas complexa, bastante competente em criar a atmosfera abstrata de um dia passado na praia.
Kenzo Pour Homme é o perfeito equilíbrio entre quente e gelado (especiarias / cítricos+pinho), doce e salino (frutas / algas marinhas), limpo e sujo (aldeídos+flores / vetiver+labdanum), sólido e transparente (madeiras / calone).

AQUA MOTU DE
COMPTOIR SUD PACIFIQUE


Eu me lembro de ter testado Aqua Motu em 1996 (quando ele era simplesmente chamado de “Motu”) e de pensar como eu nunca tinha cheirado nada parecido antes. Suas notas de iodo e algas imediatamente invocavam dois conceitos aromáticos: grama cortada num dia quente de verão logo após uma tempestade, e o cheiro de um dia na praia – protetor solar, água do mar e areia molhada. Percebi que essas eram duas perspectivas aromáticas distintas, mas ambas partilhavam de uma profundidade úmida e vegetal doce. Com a nota de saída de helichrysum (immortelle) e as notas de base de algas marinhas, Aqua Motu é de fato aquático mas de uma forma surpreendentemente espessa e potente. Ele não é leve e cintilante nem fresco e arejado. Como um avaliador do Fragrantica escreveu, “Este é um ótimo salino, seco e empoeirado. Não sinto nada aquático. Deveria ter sido chamado ‘Deserto na Noite’ na minha opinião. Se existisse um lago com água salgada em tal deserto”.
Hoje em dia, há inúmeras fragrâncias similares a Motu, sem dúvida inspirada na abordagem revolucionária de Comptoir. Uma das minhas favoritas é o Brezza di Mare de I Profumi di Firenze com seu cheiro de melancia, embora Motu não apresente nada da doçura refrescante frutada. Avaliações recentes no Fragrantica sugerem que a longevidade possa não ser o que costumava ser, mas CSP agora oferece a versão EDP, além de EDP Intense. Motu é também bastante linear na evolução como um topo, mas eu não consigo pensar em nenhum outro que capte qualquer um dos dois conceitos mencionados acima.


Qualé o seu aquático marinho favorito?

Tradução: Daniel Barros

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