quinta-feira, 21 de maio de 2015

De Que Falamos Quando Falamos de Fragrâncias?

por: Juliett Ptoyan

Qual é a cor de Fougère Royale? I qual é o objetivo de Habanita? Quantas facetas tem Caleche, se é que tem? Alguns leitores poderiam responder confiantemente que a primeira fragrância fougère tem um translúcido aspeto verde, um pouco lamacento, brilhante e meditativo. E que facetas de Caleche são essas de que se fala? Arredondadas e de lã! Outros poderão ficar chocados ao provar que Fougère Royale é cinza metálico, Habanita não tem ideias nem pressas, e mesmo que Caleche seja arredondado, não tem lã nenhuma dentro.
O grupo principal de inquiridos poderia dizer que o primeiro cheira mais como um fougère típico, o segundo faz lembrar couro e âmbar e o terceiro é como um sabonete muito caro e o autor deveria descer à terra—quais cores e objetivos, do que você está falando?
No passado, muitos debates surgiram devido a tais leituras tão divergentes, mas atualmente toda a gente se lembra da seguinte frase: “diferença de perceção” e tolerantemente menciona algo como “eu não sinto o cardamomo” ou “eu sinto bolo de mel aqui, em vez de chá” ou “vou experimentar durante a noite, talvez a rosa apareça.” Eu acho que ler algo como “Cheira a pêra podre e plásticos—aborrecido e banal” acerca de sua fragrância favoruta é desagradável, mesmo se isso foi escrito por alguém que você nem conhece. Contudo, aprendemos a lidar com isso; tanto faz—é uma forma de ficarmos menos nervosos e desfrutar da alegria da possessão.
Não falamos sobre a mística diferença de perceção atualmente—ao invés disso, vamos falar sobre a linguagem que usamos para falar sobre os perfumes.
Pensa-se que para descrever os aromas como as pessoas que trabalham na indústria de perfumes é muito difícil. A maioria das culturas modernas não presta muita atenção ao perfume—passámos de caçadores e forrageadores a jornalistas, designers e diretores; já não fazemos armadilhas, muito menos recolhemos ervas e muito raramente fazemos sacrifícios. Portanto, não damos atenção especial a termos tão específicos em nossa linguagem. Por outro lado, dedicamos muita atenção a outras esferas: começámos a usar casacos de caxemira em vez de pêlo de animais, aprendemos a cozinhar panna cotta, lemos livros e viajamos. E, é claro, criámos muitas novas palavras para comparar nossas impressões sobre o uso destas bençãos da civilização. Frequentemente usamos as mesmas palavras para descrever as fragrâncias e isso, felizmente, faz sentido a outras pessoas, especialmente áquelas que têm as mesmas bases culturais que nós.
Podemos ver uma situação distinta no Sul da Tailândia. Maniq, a linguagem falada por um discreto grupo  étnico local inclui pelo menos 15 palavras que têm uma relação direta com o objeto do aroma e suas características. Por examplo, a pele do arctonyx , o sol, a velha casa, e o momento de beber de um caule de bambú têm seus próprios adjetivos. E, é claro, o olfato tem uma grande importância nas vidas dos falantes nativos do Maniq: eles tratam doenças com ervas, caçam animais para comer e fazem muitos outros rituais que requerem o cheiro até mais do que pensamento. Eles não levam para suas casas os corpos dos animais, o cheiro que atrai tigres—e sim, este cheiro também tem um nome em Maniq. Interessante: tais palavras por vezes não significam o cheiro emanado de um sujeito particular, mas apenas um de seus aspetos. Por exemplo, o cheiro chamado сŋεs tem algo em comum com o cheiro de gasóleo, manga selvagem e gengibre. Uma pessoa com um nariz treinado poderia facilmente compreender sobre o que eles falam.
Como disse anteriormente, o olfato não tem um papel muito importante na cultura ocidental, por isso uma pessoa com um nariz insensível é irrelevante para a indústria dos perfumes e não conseguirá distinguir, por exemplo, a sora búlgara da marroquina, ou a flor de laranjeira do neroli. Tudo isso para essa pessoa não passará de agradáveis notas florais. Não admira que essa pessoa falará das fragrâncias que a fascinam usando a linguagem de seu olfato: por exemplo, “bolinho,” “flores de Verão” ou “madeiras.” Isso é porque para ela o perfume cheira mesmo a bolinho ou madeira. Isso não é nem bom nem mau—é um fato. Finalmente, nosso vocabulário perante algo novo e desconhecido é raramente dotado de rigor e originalidade…
Para um entusiasta, o processo de experimentar novas fragrâncias é uma roleta russa: você pode ler as resenhas que quiser, cair cego de amor e se jogar, mas isso pode partir seu coração—não só a rosa não se revela, mas o sândalo é chato. Toda a gente experimenta a sensação de desilusão. Mas que linguagem usamos para falar sobre os momentos em que nossas expetativas não têm correspondência com a realidade?

“Sim, tem algo como camurça mas para mim é mais bege e nova do que azul e usada. Como se tivesse sido tirada de uma loja de moda em Milão”

“Encontrei a rosa, mas é tremida: ora surge, ora desaparece, mas preciso de mais tranquilidade”

“De que monotonia você está falando? Eu sinto tanto o sândalo como as flores tropicais e o incenso—muito boémio!”

 
É uma linguagem muito diferente—usamos para quem ela faz sentido e para quem umagina que o cheiro pode ser de camurça bege ou azul ou até um pouco carregada de nervos. Como se diz, em Roma, sê romano.
Trabalhar com fragrâncias do ponto de vista do perfumista é uma rotina diária. Seu vocabulário é considerado o mais interesante de todos por um motivo: seu avançado sentido do cheiro. From Carnation to Sandal, o livro escrito pela perfumista natural russa Anna Zworykina contém um capítulo intitulado “O ABC de um perfumista: aprendendo letras, fazendo palavras,” no qual as descrições dos cheiros são colocadas em vocabulário visual, tátil, de paladar e música. Por exemplo, a rosa de Maio é caracterizada como sedosa, a bergamota dá uma luz suave e a íris é comparada com um instrumento de cordas. É uma classificação perfeita, exata e é muito interessante comparar com nossas sensações. O jasmim canta uma aria? Que textura tem o limão? O que é mais pesado: o patchouli ou o vetiver?
Em minha opinião, no nascer de nosso fascínio com as fragrâncias muitos de nós se depararam com uma situação estranha durante uma conversa com pessoas menos interessadas em perfumaria. Por vezes os familiares ou amigos pedem-nos conselhos sobre alguma coisa, cansados de usarem o convencional Miss Dior nos últimos quatro anos. As pessoas nos perguntam como se fôssemos especialistas, dizendo-nos coisas como “você tem milhões de frascos, você conhece tudo,” e eis que aparece o momento estranho. Você começa a perguntar a seu interlocutor que tipo de frescor, que flores ele ou ela quer exatamente, começando a fantasiar… e de repente você percebe que essa pessoa quer “o mesmo, mas não do mesmo.” Já tem sorte se aproveitou o momento antes de seu amigo se aborrecer e começar falando em comprar outro frasco de Miss Dior…
Acontece que por vezes uma pessoa precisa de muito menos dessa fragrância do que você. É por isso que há sempre o risco de cair no prolixo, começar a enumerar as notas—quão triste pode ser isso? E, o que é pior, a pessoa fica sem respostas… A escolha segura é apelar às associações, como fazem Uer Mi e Jo Malone ou muitas outras marcas: toda a gente já tocou em caxemira, latex ou seda pelo menos uma vez.
Aurora Carrara (CEO da Uer Mi) fala sobre isso: “Gostamos de partilhar nossos sentimentos apesar de sabermos que os mesmos são subjetivos. Por exemplo, quando eu digo que VE Velvet é picante, as pessoas respondem algo como 'Porque nao.' De outra forma, elas provavelmente sentiriam a textura do aroma pelas suas notas, mas a perceção mais exata acontece através do intercâmbio de pontos de vista, associações e sensações.”
Acho que é uma boa maneira de descrever uma fragrância a alguém que acha que um perfume cheira a “algo” e nada mais. Em privado, parece ser uma vacina contra a sensibilidade. Quando seu interlocutor percebe que se encontra perante o frescor de Silver Mountain Water quando pratica rafting, ele se habitua ao aroma e começa a analisar: o que é que eu encontro de familiar aqui além do frescor? Esse chá verde fresco—de onde vem? Onde o poderei ter encontrado? Talvez, passeando numa plantação? Exatamente! No Sri Lanka!
Conte-nos como você fala sobre fragrâncias. Como as discute com outras pessoas? Já lhe faltaram palavras para exprimir uma composição? Como resolveu esse problema?

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